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[KATRINA II] NA ESQUINA DE NOVA ORLEANS COM A HUMANIDADE Mike Davis



PREFÁCIO

O furacão Katrina foi o evento, mais do que qualquer outro, que radicalizou meu pensamento. Há muito tempo, eu me considerava um anarquista, alimentado com uma dieta estável de Emma Goldman e C. L. R. James, seguido por um mal-estar profundo em uma sociedade que parecia pouco se importar com dignidade ou justiça. A segunda guerra do Iraque, iniciada pelo presidente Bush enquanto eu ainda era estudante universitário, demonstrou que o governo, incitado pela imprensa, mentiria o que fosse necessário para assassinar centenas de milhares de pessoas em terras longínquas. Mas foi o Katrina que trouxe esse mundo, e a sua política, para muito mais próximo de mim. O abandono intencional, quase extravagante, de dezenas de milhares de pessoas (em sua maioria negra) em uma cidade nos Estados Unidos — pessoas como as quais eu cresci perto, embora não exatamente junto — cristalizou mais rápido que qualquer livro minha consciência do ódio e da irresponsabilidade que atravessa a sociedade norte-americana. Enquanto se desenrolava na televisão um espetáculo surreal e doloroso, a atitude do governo não poderia ter sido mais clara. Eles simplesmente não se importaram. Foi um daqueles momentos em que você sente o mundo se dividindo entre “nós” e “eles”.

À parte de Emma Goldman, o primeiro livro que li na adolescência que realmente radicalizou meu pensamento foi o Cidade de Quartzo: escavando o futuro em Los Angeles, de Mike Davis. O relato seco e corrosivo de Davis sobre uma cidade mais estranha e brutal que qualquer filme já retratara, encaixou-se bastante bem com minha sensação crescente de que viver em uma cidade dos Estados Unidos significava participar de algum tipo de guerra. Havia algo neste livro que o tornava diferente. Olhando para trás, eu agora percebo que sua sensibilidade me ajudou a cruzar a divisão entre o liberalismo [no sentido norte-americano da palavra] e algo chamado de esquerda. O primeiro, até aquele momento a perspectiva reinante em minha formação, enfatizava a colaboração, o consenso e o progresso, ainda que lento e gradual. Entretanto, o que eu vi e senti — o ódio, a exploração, a indiferença ao sofrimento e a óbvia distribuição desigual desse sofrimento entre as raças — me levou, agora eu percebo, ao segundo grupo. Ler Mike Davis me deu uma maneira de falar sobre isso politicamente.

Em 2006, Davis trouxe essa clareza moral e analítica para lidar com o problema de Nova Orleans após o furacão. No artigo abaixo, apresentado aqui em tradução já existente para o português, Davis conduz uma radiografia inicial da luta para definir a direção na qual Nova Orleans seria reconstruída. A palavra “reconstrução” é política e emocionalmente significante na disputa pelo poder nos Estados Unidos. Ela se refere ao processo, iniciado há 150 anos, no qual os escravos se tornariam cidadãos. Por causa das maneiras pelas quais a supremacia branca está conectada à economia política dos Estados Unidos, esse processo sempre ameaçou transbordar as fronteiras da cidadania progressista para uma espécie de revolução social. Por esse motivo, teve que ser reprimido com violência. Em Nova Orleans, a Batalha de Canal Street, uma insurreição liderada por supremacistas brancos reunidos sob a bandeira dos Confederados da Liga Branca, marcou a força crescente da contra-revolução. Quando seus apoiadores recuperaram o controle da cidade durante a década de 1880, eles renomearam o local da batalha como "Liberty Place" e ergueram um monumento de pedra em homenagem aos terroristas brancos que permaneceu no local até 2017.

A supremacia branca parece diferente hoje em relação ao que foi no século dezenove. A luta pela liberdade negra dos anos 1950 e 1960 marcou uma “Segunda Reconstrução” e auxiliou na derrubada do “Jim Crow”, um sistema legalizado de apartheid que surgiu em todo o Sul dos Estados Unidos logo após a retirada do governo federal em 1877. Nas décadas seguintes à "Segunda Reconstrução", na medida em que a estagnação econômica tomava conta dos EUA, o encarceramento em massa surgiu como a principal estratégia para a administração de uma série de crises originadas nesse período do declínio econômico. Louisiana, o estado onde está localizado Nova Orleans, foi especialmente agressivo em seu esforço de utilizar as prisões como “soluções genéricas aos problemas sociais”, nas palavras da geógrafa Ruth Wilson Gilmore. Quando veio o furacão Katrina, Louisiana era a “capital mundial do encarceramento.” Em 2012, um a cada sete homens afro-americanos de Nova Orleans se encontrava preso, em liberdade condicional ou em julgamento.

Após o furacão Katrina, os partidários da supremacia branca se remobilizaram para aproveitar a oportunidade de remodelar a cidade ao seu favor. O objetivo, como mostra Mike Davis, era tornar a cidade “menor, mais rica e mais branca” — livrar a cidade daqueles afro-americanos que, do ponto de vista do capital, não eram mais necessários. As políticas públicas se reuniram em torno desses objetivos, tornando mais difícil o retorno dos residentes mais pobres de Nova Orleans, ao mesmo tempo em que calava as vozes daqueles que permaneceram na cidade. As palavras agora infames do representante de Louisiana, Richard Baker, ouvidas por acaso logo após o furacão, sintetizam essa visão bem como a alegria sentida pelos ricos nessa oportunidade inesperada: “Finalmente limpamos as moradias populares de Nova Orleans. Nós não poderíamos fazer isso. Mas Deus fez.”

Deus não tem nada com isso. O texto de Neil Smith, anteriormente traduzido pela Igra Kniga como parte dessa série, demonstra que “Não existe desastre natural” — e que embora o clima seja “natural”, os desastres são sociais, decorrentes das relações de exploração pré-existentes. O artigo abaixo de Mike Davis demonstra, no contexto de uma cidade dos Estados Unidos, quem faz essas coisas, como e por quê.


Prefácio de Andy Battle, especial para a IK, 16/09/2020.

Andy Battle é historiador, editor e professor em Nova York.

 

NA ESQUINA DE NOVA ORLEANS COM A HUMANIDADE

Mike Davis


A alguns quarteirões do campus severamente alagado e isolado da Universidade de Dillard, uma placa entortada pelo vento anuncia a interseção entre Humanidade e Nova Orleans. Noite adentro, os arranha-céus das ruas Poydras e Canal, no centro, já resplandecem de luzes, mas um extenso cinturão do norte e do leste da cidade, incluindo o bairro de Gentilly, nos arredores de Dillard, permanece às escuras.


As luzes estão apagadas há seis meses e ninguém parece saber quando, e se, elas serão religadas. Na grande Nova Orleans, mais de 125 mil casas continuam danificadas e desocupadas, uma vasta cidade fantasma que apodrece na escuridão, enquanto les bons temps retornam a uma faixa culpada de bairros próximos do rio, que não foram atingidos pelas inundações e são predominantemente ricos. Como uma enorme parcela da população negra partiu, algumas estações de rádio estão mudando sua programação musical de funk e rap para soft rock.


O prefeito Ray Nagin gosta de se vangloriar de que "Nova Orleans está de volta”, apontando para os turistas que transitam de novo pelo bairro francês e para os estudantes de Tulane que lotam os bistrôs da rua Magazine. No entanto, a população atual da cidade, que fica na margem ocidental do Mississippi, é praticamente a mesma da Disney World em um dia normal. Mais de 60% dos munícipes de Nagin incluindo cerca de 80% de afro-americanos ainda estão espalhados no exílio, sem nenhuma perspectiva clara de retornar para casa.


Na ausência deles, as elites empresariais locais, aconselhadas por think tanks conservadores, “novos urbanistas” e neodemocratas, usurparam quase todas as funções do governo eleito. Com a Câmara Municipal amplamente excluída das deliberações, as comissões nomeadas pelo prefeito e os peritos vindos de fora, na maioria brancos e republicanos, propõem reduzir e remodelar de modo radical uma cidade majoritariamente negra e democrata. Sem mandato dos eleitores locais, o sistema público de ensino já foi virtualmente abolido, assim como os empregos de professores e de funcionários do setor afiliados a sindicatos. Milhares de outros empregos sindicalizados foram perdidos com o fechamento do Hospital Charity, antes a nau capitânia da saúde pública da Louisiana. E a proposta de uma junta de supervisão, dominada por indicados do presidente Bush e da governadora Kathleen Babineaux Blanco, daria cabo do controle local em favor das finanças públicas.


Enquanto isso, a promessa solene de Bush de "acabar o trabalho rapidamente" e montar “um dos maiores esforços de reconstrução já vistos" provou ser feita do mesmo ouro-de-tolo que as suas garantias anteriores de reconstruir a infra-estrutura bombardeada do Iraque. Em vez disso, a administração deixou os moradores de bairros como Gentilly no limbo: a maioria ficou sem postos de trabalho, moradias de emergência, proteção contra enchentes, auxílio hipotecário, empréstimos para pequenos negócios ou um plano coordenado de reconstrução.


A cada semana de descaso designado pelo deputado Barney Frank como “uma política de limpeza étnica pela inércia” aumenta a probabilidade de que muitos habitantes negros jamais possam retornar. Como observou The New York Times no começo de fevereiro [2006], o Katrina "quase não mereceu menção" no discurso anual do presidente, e "Nova Orleans foi completamente apagada do mapa das prioridades nacionais". O prefeito Nagin está tão desesperado por ajuda que implorou auxílio aos países estrangeiros, inclusive França e Jordânia.


Todavia, mesmo que os peritos reclamem da burrice dos habitantes, que querem retornar para casas construídas abaixo do nível do mar, está claro que a negligência federal, não a natureza furiosa, foi a maior responsável pelo assassinato de Nova Orleans.




ABANDONO DO DEVER


Não houve apenas erro humano. Também pode ter havido descaso oficial.

Engenheiro forense, sobre as fendas nas barragens[1]


A rua Humanidade foi inundada em 29 de agosto por um rompimento no canal da avenida London, que assim como os canais das ruas Orleans e 17, mais a oeste forma uma lagoa para escoamento das águas de chuva, bombeadas dos distritos residenciais mais baixos, como Gentilly, que eram originalmente áreas pantanosas.


Após o Katrina, o corpo de Engenharia do Exército e o Conselho de Barragens da Paróquia de Orleans declararam que a região norte da cidade foi inundada porque uma tempestade de furacões de dimensões bíblicas excedeu as barreiras, erguidas e mantidas em conjunto por essas agências ao longo dos canais de Nova Orleans. "A intensidade da tempestade", disse em 2 de setembro o comandante do Corpo de Engenharia, o tenente-general Carl Strock, “simplesmente excedeu a capacidade do projeto dessa barragem"[2]. Mais tarde, testemunhando diante do Congresso, representantes de ambas as entidades continuaram culpando o “temporal de categoria 4 ou 5", apesar das evidências mostradas por uma investigação da Sociedade Norte-Americana de Engenheiros Civis de que o nível da água, na verdade, estava "bem abaixo da altura máxima das barreiras" (projetadas para suportar um furacāo de categoria 3), e que as fendas foram resultado de falhas de projeto e de construção, não de ondas monstruosas[3].


Agora, graças a pesquisas mais aprofundadas de uma equipe de engenheiros forenses patrocinados pela National Science Foundation (NSF) [Fundação Nacional da Ciência] e à inspirada denúncia da imprensa, há evidências surpreendentes de que as autoridades federais estavam bem cientes de que o sistema de barragens da cidade estava comprometido por incompetência no projeto e pela baixa qualidade da construção, além de um subfinanciamento crônico que deixou falhas críticas nas defesas da cidade.


No caso dos canais da rua 17 e, provavelmente, da avenida London, por exemplo, análises precárias do solo, que ignoraram as camadas perigosamente instáveis de lodo pantanoso, levaram os engenheiros projetistas a construir muros finos e mal firmados demais para resistir às mudanças no solo que os sustentava. Quando o Corpo de Engenharia de Vicksburg o nível mais alto de autoridade em engenharia de todo o sistema do Mississippi descobriu essas falhas potencialmente catastróficas em uma revisão do projeto realizada em 1990, seus colegas de Nova Orleans aparentemente ignoraram o aviso e não fizeram nenhuma tentativa de reforçar as estruturas instáveis.[4]


No caso da barragem do canal de Orleans que os investigadores da NSF dizem ter "praticamente ruído antes de a tempestade começar” , um vão largo (e por fim fatal) fora deixado para evitar que a pressão da água rompesse os muros de uma antiga estação de bombeamento. Apesar dos apelos urgentes tanto do Corpo de Engenharia quanto do Conselho de Barragens, a administração Bush recusou-se a aprovar os 10 milhões de dólares para a reconstrução da estação e a finalização da barreira. (Na qualidade de fortaleza democrata no controle do equilíbrio de forças das eleições da Louisiana, Nova Orleans não é obviamente a caridade favorita da Casa Branca republicana.)


Enquanto isso, como já se sabia, o efeito de afunilamento causado pelo conhecido MRGO um canal fluvial pouco usado e mantido a alto custo pelo Corpo de Engenharia do Exército amplificou a potência do Katrina em 40%, à medida que se dirigia ao canal industrial e ao Lower Ninth Ward. “Furacão Pam”, um exercício de planejamento interagências realizado em 2004, confirmou o cenário e previu com precisão a extensa inundação no lado leste da cidade. Ainda assim, o Corpo de Engenharia, obedecendo aos interesses portuários, rejeitou durante anos os pedidos urgentes de desativação do MRGO.[5]


Diante da evidência cada vez maior de negligência, o Corpo de Engenharia apenas aumentou as suspeitas ao sonegar documentos cruciais à equipe da NSE e impedir várias vezes o acesso aos locais de rompimento da barragem. Do mesmo modo, nas audiências no Congresso, os republicanos tentaram desviar a culpa do Corpo de Engenharia pelo fiasco do Katrina e jogá-la no Distrito de Barragens da Paróquia de Orleans descrito como uma máquina de patronagem corrupta, menos preocupada com o controle das enchentes do que com subsidiárias lucrativas, entre elas uma marina, um parque de diversões e um barco-cassino. Essa caricatura pode ser verdadeira, mas é quase irrelevante, pois o Corpo de Engenharia e seu chefe supremo, o secretário de Defesa Donald Rumsfeld, carregam a derradeira responsabilidade legal pela proteção contra as inundações e pelos padrões dos projetos de barragens e barreiras da cidade. Pela tradição, supõe-se que o Corpo de Engenharia deva representar o padrão de excelência em engenharia nos Estados Unidos; em vez disso, agora ele enfrenta a desgraça de ter perdido Nova Orleans (e ter desperdiçado bilhões na fracassada "reconstrução do Iraque”).


Local de rompimento das barragens de Nova Orleans


DEITE E FIQUE


Os piores medos de muitos políticos estão se concretizando [...]. Entraves burocráticos estão fazendo do esforço de recuperação algo perturbadoramente lento e ineficaz.

Senador Tom Coburn (republicano, Oklahoma)[6]


Falsas promessas são uma tradição na dinastia Bush. Na primavera de 1992, o presidente George H. Bush visitou os destroços chamuscados da região centro-sul de Los Angeles, assegurando aos moradores que Washington tinha “uma responsabilidade absoluta na resolução dos problemas centrais da cidade”. Em resposta aos tumultos provocados pelo caso Rodney King[7], a Casa Branca prometeu grandes iniciativas para ajudar Los Angeles e outras grandes cidades esquecidas. Porém, a compaixão presidencial logo se converteu em indiferença, e os líderes republicanos no Congresso vetaram cada esforço para "recompensar os vândalos"[8].


Do mesmo modo, após a desastrada resposta inicial ao Katrina, Bush personificou Roosevelt e Lyndon Johnson quando reconfortou a nação em seu discurso na praça Jackson, em 15 de Setembro, afirmando que "temos o dever de enfrentar a pobreza [de Nova Orleans] com ações ousadas [...]. Faremos o que for preciso, ficaremos o quanto for preciso, para ajudar os cidadãos a reerguer suas comunidades e suas vidas".


Naquela ocasião, a Casa Branca se acomodou em suas promessas durante todo o outono, resmungando sermões sobre as limitações do governo, enquanto no Congresso seus cães de ataque conservadores compensavam a ajuda ao golfo com cortes de 40 bilhões na assistência hospitalar, nos vales-refeição e nos empréstimos estudantis. Os republicanos também negaram ajuda a um estado que foi descrito como uma sociedade venal do Terceiro Mundo, um estado falido como o Haiti, em descompasso com os valores nacionais. "Louisiana e Nova Orleans", de acordo com o senador Larry Craig, de Idaho,"são os governos mais corruptos do nosso país, e sempre foram |...]. A fraude está na cultura dos iraquianos. Acredito que isso é verdade também na Louisiana".[9]


Os democratas, exceto o cáucus negro congressual, fizeram pateticamente muito pouco contra esse repúdio ou para pressionar Bush a cumprir os compromissos que ele assumiu na praça Jackson. A promessa de um debate nacional sobre a pobreza urbana nunca se realizou; ao contrário, Nova Orleans, como um grande navio à deriva, vagou desamparado nas correntes traiçoeiras da hipocrisia da Casa Branca e do desprezo dos conservadores.


Um golpe prévio e mortal foi dado pelo secretário do Tesouro, John Snow, que se recusou a garantir títulos do governo à cidade, obrigando o prefeito Nagin a demitir 3 mil funcionários municipais, além dos milhares de desempregados da saúde e do ensino públicos. A administração Bush também vetou medidas bipartidárias para estender a cobertura médica para os refugiados do Katrina e conceder ao Estado da Louisiana confrontado com uma perda de renda de cerca de 8 bilhões de dólares pelos próximos anos - uma parte dos lucros gerados pela exploração de gás e petróleo em sua costa.


Ainda mais egrégia foi a discriminação flagrante da Small Business Administration (SBA) [Administração de Pequenos Negócios] contra os bairros negros, quando rejeitou a maioria dos pedidos de empréstimo feitos por comerciantes e proprietários locais. Uma análise de The New York Times, em meados de dezembro, concluiu que "os empréstimos aprovados [pela SBA], até o momento, parecem fluir para os bairros abastados de Nova Orleans, não para os pobres"[10]. Ao mesmo tempo, um projeto bipartidário do Senado, cujo objetivo era salvar os pequenos empreendimentos com empréstimos provisórios emergenciais, foi sabotado pelos funcionários de Bush e deixou milhares de pessoas à beira da falência e do confisco de seus negócios.


Conseqüentemente, as bases econômicas da classe média afro-americana da cidade (cargos públicos e pequenos negócios) foram eliminadas por decisões deliberadas, tomadas na casa Branca e presumivelmente supervisionadas pelo triunvirato da política doméstica: Dick Cheney, Andrew Card e Karl Rove. Do mesmo modo, o doloroso fracasso da FEMA, que não conseguiu fornecer moradias temporárias dentro da cidade, impediu que os operários nova-orleaneses exilados em Baton Rouge, Houston e Atlanta retornassem para trabalhar na reconstrução da cidade e no turismo redivivo. Em seis meses, a FEMA entregou apenas um sétimo dos trailers que havia prometido a Nova Orleans; até os policiais ainda não tinham onde morar.


Cidade de trailers para refugiados do Katrina nos arredores de Nova Orleans

Na ausência de iniciativas federais ou estaduais para empregar a população local ou fornecer moradia temporária adequada, é provável que os negros de baixa renda estejam perdendo seus nichos na construção e nos serviços para forasteiros que tenham maior mobilidade. No último outono, Christine Hauser afirmou:


Com postos perdidos, transferidos e solicitados, a crise da força de trabalho está mudando até mesmo a demografia de Nova Orleans. Com as escolas ainda fechadas, por exemplo, as famílias migraram para outros estados à procura de trabalho e de estabilidade. Muitos dos novos trabalhadores são jovens e solteiros, e podem dividir apartamentos. Tendo maior mobilidade e autonomia - alguns vieram de áreas vizinhas -, eles começaram a substituir os trabalhadores que não podem manter um carro. [11]


Em franco contraste quanto ao descaso com o socorro local, a Casa Branca tem feito esforços hercúleos para gratificar as grandes empresas e os infiltrados políticos que formam sua própria base. A vereadora Nydia Velazquez, que ocupa uma cadeira na Comissão de Pequenos Negócios, ressaltou que a SBA permitiu que grandes empresas ganhassem contratos federais de 2 bilhões de dólares, mas excluiu empreiteiros locais saídos das minorias. Do mesmo modo, a suposta “zona de oportunidade do golfo" beneficiou sobretudo as empresas que estavam fora da área do desastre. Um exemplo típico, segundo John Magginis, analista político veterano da Louisiana, são


[as] incorporadoras residenciais de Baton Rouge e de Lafayette, que puderam aumentar as prestações para se adequar à demanda dos habitantes deslocados, e que agora podem lucrar sem o esforço de construir mais unidades."[12]


Contudo, os maiores beneficiários do auxílio governamental ao desastre do Katrina – para surpresa de ninguém – foram as republicanas KBR (subsidiária da Halliburton) e o Grupo Shaw, empresas gigantes de engenharia que utilizam os serviços do lobista Joe Allbaugh (ex-diretor FEMA e coordenador de campanha de Bush, em 2000). A FEMA e o Corpo de Engenharia do Exército, apesar de não terem conseguido explicar à governadora Blanco, no outono passado, como estavam empregando o dinheiro na Louisiana, obtiveram níveis tão altos de lucratividade que provocariam espanto até nas margens do Eufrates mais castigadas pela guerra. Obviamente, é garantido que muito dessa liberalidade será reciclado em doações de campanha para o Partido Republicano.


A FEMA, por exemplo, pagou 175 dólares por quadra (9,3 metros quadrados) ao Grupo Shaw para instalar cobertura impermeabilizante nos telhados danificados pela tempestade em Nova Orleans. Mas quem de fato a instala ganha míseros 2 dólares por quadra e a cobertura é fornecida pela FEMA. Da mesma maneira, o Corpo de Engenharia do Exército paga às empreiteiras cerca de 20 dólares por metro cúbico de entulho removido, ao passo que os operadores das escavadeiras recebem apenas 1 dólar. (Além disso, a limpeza segue tão lentamente que, em fevereiro, as empreiteiras tinham removido apenas 6 dos cerca de 50 milhões de metros cúbicos de destroços da cidade[13].)


Em outras palavras, cada nível da cadeia alimentar contratual está grotescamente supernutrido, exceto os níveis inferiores, onde o trabalho efetivo é realizado. Enquanto os amigos de Bush garimpam ouro nas ruínas de Nova Orleans, muitos trabalhadores desiludidos – em geral imigrantes mexicanos e salvadorenhos, acampados em parques municipais e shopping centers abandonados – mal conseguem se manter.




O GRANDE PONTAPÉ


Os legisladores precisam entender que, para Nova Orleans, as palavras "pendente no Congresso" são uma sentença de morte que não exige assinatura.

The New York Times[14]


No indômito e impiedoso mundo da política da Louisiana, uma ampla solidariedade de interesses é algo tão raro como um rochedo em um pântano - ainda que o Katrina tenha criado um consenso bipartidário inédito em torno de demandas compartilhadas de proteção contra furacões de categoria 5 e auxílio hipotecário para casas danificadas. De republicanos conservadores a democratas liberais, todos concordam unanimemente que a recuperação da região depende de investimento federal em novas barragens, da revitalização da costa e do auxílio financeiro aos 200 mil proprietários cujos seguros não conseguiram cobrir os prejuízos reais. (Não houve um consenso equivalente e pouca atenção se deu ao direito dos inquilinos – que constituíam 53% da população antes do Katrina – e dos moradores de habitações públicas de retornar à cidade.)


Na verdade, uma ampla proteção contra furacões de categoria 5 já havia sido ordenada pela administração Johnson para a região de Nova Orleans, depois que o furacão Betsy inundou partes da cidade em 1965. No entanto, elementos-chave do plano, inclusive as comportas para os canais de escoamento do lago Pontchartrain, foram executados a toque de caixa, e outros, como a barreira do canal Orleans, permaneceram inacabados. Até 1990, os gastos anuais com proteção contra furacões foram menores que as verbas urgentes requeridas pelo Corpo de Engenharia e pelas autarquias locais.


Enquanto o compromisso federal com o sul da Louisiana míngua, o perigo dos temporais aumenta de modo constante, já que a proteção dada pelo delta está se dissolvendo no golfo do México. A catastrófica erosão costeira, que avança um acre a cada 24 minutos, é conseqüência, em parte, da construção de represas e da mudança no curso dos rios que o Corpo de Engenharia tem promovido, porque elas reduzem a dieta vital de sedimentos requerida pelo delta; mas ela é, principalmente, subproduto das constantes e promíscuas escavações e obstruções de canais realizadas pelas indústrias de gás e petróleo[15]. Em ambos os casos, a última salvaguarda de Nova Orleans e das localidades vizinhas está sendo comprometida para satisfazer poderosos interesses econômicos externos (o agronegócio situado rio acima, as companhias portuárias e as empresas do setor de energia), sem qualquer mecanismo que recicle a renda na forma de revitalização compensatória da costa e controle das enchentes urbanas.


Em 1998, após uma assustadora passagem do furacão Georges, uma coalizão entre agências e governos – incluindo o Corpo de Engenharia, a Agência de Proteção Ambiental e todas as vinte municipalidades costeiras – uniu-se em favor do Costa 2050, um plano abrangente de 14 bilhões de dólares para reconstruir as barreiras insulares e revitalizar as áreas alagadiças rarefeitas. Peritos concordaram que a proteção de Nova Orleans exigiria ainda a modernização e a realocação das bombas de drenagem, comportas maciças no lago, a construção de barragens sólidas e a desativação do famigerado MRGO. O custo conjunto da revitalização costeira e das novas defesas contra as tempestades foi estimado em cerca de 30 bilhões de dólares, para serem gastos ao longo de uma geração.


Antes do Katrina, nunca houve a menor chance de uma Casa Branca republicana ou um Congresso controlado pelo partido pensar em gastar tanto dinheiro para proteger a cidade “mais azul", mais democrata do sul profundo. Sendo assim, o discurso presidencial na praça Jackson, após o dilúvio, pareceu assinalar uma nova distribuição: o Costa 2050 e as barragens contra furacões de categoria 5 tornaram-se, de repente, assunto de discussões sérias. Delegações bipartidárias da Louisiana precipitaram-se em direção à Holanda para ver o que um compromisso nacional genuinamente sério pode fazer pela proteção costeira.


Porém, os habitantes da Louisiana logo descobriram, como os de Los Angeles antes deles, que a Bush Inc. oferece pouco mais do que palavras vazias e garrafas de óleo de cobra. No início de novembro, ficou evidente que salvar Nova Orleans não estava mais no topo das prioridades da administração – se é que esteve algum dia. Quando repórteres perguntaram se o presidente apoiava a construção de barragens de categoria 5, seus porta-vozes se recusaram a dar qualquer resposta direta. Havia rumores de que Washington padecia de certa "fadiga do Katrina", e que o Congresso não estava muito interessado em despejar bilhões de dólares no suposto "buraco negro” da corrupção pantanosa. Quando os delegados da Louisiana tentaram conseguir proteção contra as enchentes, observou um repórter, eles foram “muitas vezes encarados com ceticismo, ignorância e franca hostilidade” - atitudes que o novo czar indicado para a renovação do golfo, o banqueiro texano e grande colaborador de Bush, Donald Powell, nem se incomodou em repelir.


É claro que, para os moradores, Washington estava culpando a vítima de forma descarada, ainda mais à luz do que foi exposto sobre a negligência do Corpo de Engenharia. Como reclamou o Times-Picayune: “Eles [o Congresso] agem como se usássemos saias curtas demais e quiséssemos confusão". Um dos poucos aliados eloqüentes de Nova Orleans, a página editorial de The New York Times, ressaltou que o projeto de trinta anos para proteger a cidade equivalia a "quase um terço do custo de 95 bilhões de dólares em cortes fiscais aprovados na semana passada pela Câmara dos Deputados”. Os cidadãos da Louisiana acrescentaram que não precisariam implorar se recebessem os royalties pela exploração de gás e petróleo em sua costa, como tradicionalmente recebem a Califórnia e o Texas pela exploração de petróleo em suas terras.


Mas ambos os argumentos eram discutíveis. À medida que o Congresso se preparava para o recesso de Natal, a delegação da Louisiana entrou em pânico: um plano para tempestades de categoria 5 havia sido retirado da pauta e havia dúvidas sobre se as barragens danificadas seriam reparadas antes do início da temporada de furacões. (No começo de março, os engenheiros que estavam monitorando avanço dos trabalhos do Corpo de Engenharia reclamaram que os solos frágeis e arenosos e a falta de um “reforço” de concreto eram uma garantia de que as barragens se romperiam novamente sob uma grande tempestade.)


Por fim, o Congresso votou uma ajuda de 29 bilhões de dólares para a costa do golfo. Ainda assim, como relatou The Washington Post, “Apenas 6 bilhões do previsto pela medida não eram mera redistribuição de parte dos 62 bilhões já aprovados como auxílio às vítimas do Katrina. O resto foi financiado por 1% de cortes distribuídos entre programas discricionários não emergenciais” [17]. O Pentágono obteve a aprovação de vultosos 4,4 bilhões de dólares para o reparo de instalações e outras necessidades relacionadas ao Katrina, mas o Congresso vetou os 250 milhões de dólares destinados ao combate da erosão costeira. Enquanto isso, o poderoso triunvirato republicano do Mississippi - o governador Haley Barbour e os senadores Trent Lott e Thad Cochran - persuadiram seus colegas de partido a apoiar uma ajuda habitacional discricionária de 6,2 bilhões para a Louisiana e de 5,3 bilhões para o Mississippi.


Os democratas da Louisiana coraram de gratidão por seus colegas do Mississippi, mas tratava-se, na verdade, de um negócio diabólico: o estado vermelho conseguiria cinco vezes mais ajuda por domicílio danificado que o rosado estado da Louisiana. Embora a administração tenha recebido os créditos por ter dobrado o gasto com as barragens para 3,1 bilhões, isso foi apenas um truque de prestidigitação, pois 1,4 bilhões destinados à assistência ao desenvolvimento comunitário foram desviados para o controle das enchentes - tudo no intuito de fornecer (como apontou o Times-Picayune) "a proteção contra furacões de categoria 3 que a área de Nova Orleans deveria ter antes de o Katrina revelar as inadequações estruturais do sistema".


A Louisiana recebeu outro golpe em 23 de janeiro, quando Bush rejeitou o plano do deputado republicano Richard Baker para a criação de uma Companhia de Reconstrução da Louisiana, com garantia federal. Ela beneficiaria os proprietários por meio da compra das propriedades prejudicadas e posterior agregação em grandes propriedades para revenda a construtoras. Republicanos locais, assim como democratas, urraram de raiva, e o futuro do sul do estado mergulhou novamente no caos. Ainda que a administração tenha prometido 4,2 bilhões de dólares adicionais em auxílio habitacional, a verba continua a ser disputada pelo Texas e por outros estados invejosos.





VELHAS CALÚNIAS


Odeio a forma como nos retratam na mídia.

Se você vê uma família negra, isso significa

que eles estão saqueando. Se você vê uma família

branca, isso significa que eles estão procurando comida.

Kanye West, astro de rap


É evidente que a hostilidade republicana contra Nova Orleans é mais profunda e mais sórdida do que uma mera preocupação com a probidade cívica (afinal, a cidade mais corrupta dos Estados Unidos está situada no Potomac, não no Mississippi). Sob todas as circunlocuções jazem os preconceitos e estereótipos antediluvianos que foram usados para justificar a violenta derrubada da Reconstrução, há 130 anos.


Retornemos por um momento ao cruzamento simbolicamente carregado da Nova Orleans com a Humanidade. A rua Humanidade e a vizinha rodovia 610 estabelecem uma divisão social local. Ao sul, estão os bairros mais antigos da classe trabalhadora, compostos na maioria por velhos bangalôs e sobrados, com alguns poucos prédios de apartamentos e conjuntos habitacionais públicos. Já ao norte da Humanidade estão os charmosos bairros de casas de tijolinho: parte de um universo de classe média negra em expansão que inclui tanto o parque Pontchartrain, com seu campo de golfe e seu clube, quanto os elementos suburbanos típicos, como o Home Depot e o Days Inn, no leste de Nova Orleans, depois do canal Industrial.


Os pobres normalmente se tornam invisíveis sob os escombros dos desastres urbanos, mas no caso de Nova Orleans eles são a classe média profissional afroamericana e a classe trabalhadora qualificada. Na confusão e no sofrimento causados pelo Katrina - um teste de Rorschach do inconsciente racial norte-americano – a maior parte dos políticos brancos e comentaristas da mídia optou por ver apenas os demônios dos seus preconceitos. A complexa geografia histórica e social da cidade foi reduzida à caricatura de uma vasta favela habitada por uma classe inferior de criminosos ou miseráveis, cuja salvação está na bondade de estranhos de cidades mais brancas. Realidades inconvenientes, como a normalidade de tijolinhos vermelhos de Gentilly - ou, nesse caso, o orgulho de possuir uma casa e a exuberância do ativismo cívico no Lower Ninth Ward operário – não conseguiram interferir na crença, adotada tanto pelos novos democratas quanto pelos velhos republicanos, de que a cultura negra urbana é inerentemente patológica.


Assim, a mídia nacional promoveu, de forma desavergonhada e acrítica, o espetáculo de uma cidade inundada sob o domínio terrorista de bandidos, estupradores e zumbis - uma alucinação que, para sermos honestos, se originou da histeria do prefeito Nagin e das altas autoridades policiais. Imagens horripilantes de uma classe baixa furiosa que "afetou o desembarque de tropas, atrasou as transferências médicas, levou policiais a se demitirem, impediu que helicópteros decolassem" e deixou um legado tóxico na opinião pública. Membros aterrorizados da oligarquia local, como James Reiss, chefe de tráfego, mandaram vir de helicóptero seguranças israelenses fortemente armados para proteger suas mansões em Audubon Place". Entretanto, a agitação se devia em grande parte a um mito urbano: em setembro passado, Eddie Compass, superintendente da polícia de Nova Orleans, confessou ao The New York Times que "não tivemos nenhum relato oficial de assassinato. Nem sequer de estupro ou violência sexual” [19].


Mas a verdade jamais desanimará o terço de fundamentalistas conservadores, como se viu pela tentativa de David Boaz, do Instituto Cato, de jogar a culpa da catástrofe do Katrina em um Estado de bem-estar que "destruiu de tal maneira a riqueza e a auto-confiança do povo de Nova Orleans que ele tornou-se incapaz de se defender em uma crise"[20]. Nem impedirá que Joel Kotkin, ao escrever para a American Enterprise Magazine, difame "o refugo afro-americano imóvel e isolado, atolado na pobreza urbana", ou que David Brooks afirme, com uma certeza arrogante, que “se erigirmos novos edificios e deixarmos as mesmas pessoas retornarem a seus antigos bairros, a Nova Orleans urbana se tornará tão decadente e disfuncional quanto antes"[21].


Tais calúnias reproduzem velhas caricaturas - negros descontrolados, incapazes de um comportamento honesto - evocadas pela sanguinária Liga Branca, quando conspirou contra a Reconstrução em Nova Orleans, na década de 1870. (A plataforma da Liga declarava que "onde a raça branca governa, o negro é pacífico e feliz; onde os negros dominam, o negro é faminto e oprimido”. Ela prometeu restaurar "aquela justa e legítima superioridade na administração dos assuntos de nosso Estado, aos quais temos direito por responsabilidade superior, número superior e inteligência superior”[22].) De fato, alguns veteranos dos direitos civis temem que a batalha de 1874 na rua Canal, uma sangrenta insurreição organizada pela Liga contra uma administração republicana eleita por sufrágio negro, esteja sendo reencenada – talvez sem armas e tridentes, mas com o mesmo objetivo fundamental de privar a Nova Orleans negra do poder econômico e político. Certamente, uma ampla transformação no equilíbrio de poder entre as raças no interior da cidade está nos planos de algumas pessoas há muito tempo.

Homem se segura sobre carro para se salvar da correnteza no pós Katrina


O KREWE* DE CANIZARO

Como desejo, assim comando.

Lema do Comus


O poder e o status em Nova Orleans sempre foram definidos pela participação em krewes secretos do Mardi Gras e nos clubes sociais, como o krewe de Comus e os clubes de Boston e Louisiana, quando ainda estavam no ápice. “Talvez mais do que em qualquer outra cidade dos Estados Unidos”, escreveu o historiador John Barry, "Nova Orleans foi [é] governada por uma cabala de membros [...]. Olhando-a como se estivessem por trás de um espelho de dupla face, esses membros observavam, julgavam e decidiam."[23]


No início da década de 1990, ativistas dos direitos civis, liderados pela combativa vereadora Dorothy Mae Taylor, finalmente conseguiram a desintegração simbólica do Mardi Gras, e alguns clubes admitiram com relutância uns poucos milionários afro-americanos. Apesar da resistência da velha-guarda (como o Comus, que preferiu não desfilar a ter de se integrar), a parte alta da cidade parecia se adaptar, embora com rancor, à realidade do potencial de influência dos negros[23]. Porém, como mostraram de maneira brutal os eventos pós-Katrina, se a oligarquia está morta, então vida longa à oligarquia.


Enquanto autoridades negras eleitas protestam em vão das portas para fora, uma elite majoritariamente branca tomou o controle do debate sobre a reconstrução da cidade. Esse governo krewe de facto inclui: Jim Amoss, editor do Times-Picayune de Nova Orleans; Pres Kabacoft, construtor civil e revitalizador, além de patrono do novo urbanismo; Donald Bollinger, dono de um estaleiro e bushista proeminente; James Reiss, investidor imobiliário e presidente da Autoridade Regional de Trânsito (ou seja, o responsável pelos ônibus que não evacuaram as pessoas); Alden McDonald Jr., diretor executivo de um dos maiores bancos de propriedade negra, Janet Howard, do Gabinete de Pesquisa Governamental (criado originalmente por elites da parte alta da cidade para se opor ao populismo de Huey Long); e Scott Cowen, o ambicioso presidente da Universidade Tulane.


Contudo, a figura predominante e líder do grupo é Joseph Canizaro, um rico empreendedor imobiliário com destaque entre os apoiadores de Bush e com laços pessoais que o ligam ao círculo interno da Casa Branca. Ele também é a força por trás do trono do prefeito Nagin, um democrata nominal (apoiou Bush em 2000) que se elegeu em 2002 com 85% dos votos brancos. Finalmente, na qualidade de presidente do Urban Land Institute (ULI) [Instituto da Terra Urbana), Canizaro tem o apoio de alguns dos mais poderosos empreendedores e prestigiados planejadores da nação.


Em uma cidade onde o dinheiro é muitas vezes tão recluso quanto os vampiros de Anne Rice, Canizaro posa como um bravo líder cívico, sem medo de dizer verdades amargas, porém necessárias. Eis o que ele disse à Associated Press sobre a diáspora provocada pelo Katrina em outubro último: "É uma questão prática, essas pessoas pobres não têm condições de voltar para nossa cidade, assim como não tiveram condições de deixá-la. Então, não traremos todas de volta. Isso é um fato"[24]


Certamente, é um "fato" que Canizaro ajudou a configurar como um dogma predominante. É evidente que o número de residentes deslocados que retornam à cidade varia em função dos recursos e das oportunidades que são oferecidos a elas, ainda que o debate a respeito da reconstrução tenha se baseado em projeções suspeitas – fornecidas pela Corporação RAND e infinitamente repetidas por Nagin e Canizaro – de que em três anos a cidade recuperaria apenas metade da população de agosto de 2005.


Muitos nova-orleaneses imaginam cinicamente se tais projeções não seriam na verdade metas; afinal, há anos tipos como Canizaro, Reiss e Kabacoff vêm se queixando "dos bandos de desclassificados e das conseqüentes altas taxas de criminalidade", da porcentagem de residentes de moradias populares e da proliferação de casas abandonadas ou malconservadas da cidade.[26] Diante das duras conseqüências fiscais provocadas pela fuga dos brancos para os subúrbios, como as paróquias de Jefferson e St. Tammany, além de trÊs décadas de desindustrialização (o que dá a Nova Orleans um perfil econômico mais próximo de Newark do que de Houston ou Atlanta), eles argumentam que a cidade se tornou uma fábrica de destruir almas para afro-americanos subempregados e sem instrução, cujo verdadeiro interesse - assim dizem - seria mais bem atendido com uma passagem de ônibus para outra cidade. Segundo afirmou Kabacoff em 2003, “para uma cidade ser saudável, você precisa dispersar os pobres e concentrar as riquezas. Em Nova Orleans, nós concentramos nossos pobres e dispersamos nossas riquezas” [27].


Dessa perspectiva elitizada, o Katrina oferece uma oportunidade quase utópica para ressuscitar Nova Orleans, livrando-a de seu fardo de crime e pobreza. Como declarou alegremente um magnata do setor imobiliário a um repórter europeu: “O furacão obrigou os pobres e os criminosos a saírem da cidade, e nós esperamos que eles não voltem. A festa dessa gente está quase no fim e agora eles terão de encontrar outro lugar para morar" [28]. Embora Canizaro e Kabacoff jamais tenham se expressado de modo tão cruel, há anos eles vêm se dedicando a substituir os conjuntos habitacionais populares mais antigos e centrais, como St. Thomas (distrito de Lower Garden) e Iberville (do outro lado do bairro francês) por bairros de renda mista inspirados no novo urbanismo. Em outras palavras, a revitalização urbana exige a triagem dos miseráveis onerosos.


A reconversão do conjunto popular de St. Thomas em River Garden, realizada em 2003 por Kabacoff - em grande parte um bairro pseudo-créole a preços de mercado -, tornou-se o protótipo da cidade menor e mais branca que a comissão “Traga Nova Orleans de Volta" do prefeito Nagin se propõe a construir (tendo Canizaro como chefe do comitê de planejamento urbano). Segundo informou o Times-Picayune, em novembro:


O prefeito Nagin sugeriu, em um de seus discursos públicos freqüentemente impensados, que a marca River Garden do novo urbanismo deveria ser um modelo de reconstrução para as partes da Big Easy que presumivelmente serão demolidas em breve. Essa afirmação foi de pronto repetida pelo secretário de Desenvolvimento Urbano, Alphonso Jackson, que declarou que River Garden é o modelo que será adotado quando outros conjuntos habitacionais inundados forem demolidos.[29]


Apesar de anos de protestos, St. Thomas foi arrasado em 2000 e seus 1.700 moradores foram transferidos para outros lugares. River Garden, construído com recursos do programa federal HOPE VI*, simbolizou o método da era Clinton para acabar com concentrações de pobreza negra para as quais não havia solução: demolir moradias populares e utilizar cartas de crédito para "estimular" os moradores a se mudarem para outras áreas da cidade (em geral para bairros ainda mais pobres e para casas ainda mais miseráveis). O HOPE VI foi visto de início como um substituto individual para as moradias populares, mas logo se transformou em uma estratégia furtiva de revitalização, dando a construtores civis politicamente privilegiados, como Kabacoff, acesso a áreas com um potencial extraordinário de reconstrução. (Nacionalmente, estima-se que o HOPE VI* tenha causado a perda de 50 mil unidades habitacionais acessíveis?[30].) No caso de River Garden, apenas um punhado de moradores dos conjuntos originais se adequou aos critérios de permanência nas unidades subsidiadas, mas o preço dos terrenos nas áreas próximas ao distrito de Lower Garden subiu.


Subjacente ao novo urbanismo de River Garden existe uma crença dogmática de que os bairros negros de baixa renda, presos há várias gerações na armadilha da "cultura da pobreza”, são incapazes de progredir por si mesmos, desperdiçam investimentos públicos e não geram capital social significativo. Apesar de uma quota de 10% a 30% de residentes de baixa renda soar revolucionária quando aplicada a Beverly Hills, "renda mista", no contexto das moradias populares de Nova Orleans significa despejo em massa, temperado apenas por novos lares para uma minoria de "pobres merecedores” (para usar um termo vitoriano). Kabacoff afirma fervorosamente que uma fração reduzida de moradores pobres é a condição sine qua non para assegurar a viabilidade da reconstrução dos bairros: "com 30% acessíveis (mães e crianças), vocês estão ultrapassando os limites” [31].

Início da demolição dos conjuntos habitacionais de Nova Orleans


REDUÇÃO PLANEJADA

Um imenso plano de segregação embrulhado

em uma gigantesca tomada de terra.

Ex-prefeito Mark Morial[32]


A embaraçosa sigla BNOB - Bring New Orleans Back [Traga Nova Orleans de Volta] – designa talvez uma das mais importantes iniciativas da elite de Nova Orleans desde que o célebre “Comitê da Água Fria” (do qual participava o pai de Kabacoff) se mobilizou para derrotar os “Velhos Batistas” e eleger o reformador DeLesseps Morrisson como prefeito. O BNOB surgiu de uma notória reunião entre o prefeito Nagin e os líderes empresariais de Nova Orleans (que muitos apelidaram de “os quarenta ladrões”), organizada por Reiss em Dallas doze dias após o Katrina ter devastado a cidade. O encontro excluiu a maioria dos deputados negros de Nova Orleans e, de acordo com o que Reiss informou a The Wall Street Journal, concentrou-se na oportunidade de reconstruir a cidade “com serviços melhores e menos pobres”[33].


O temor de que um golpe de Estado municipal estivesse em andamento foi levemente atenuado quando, no fim de setembro, o prefeito encarregou o BNOB de preparar um plano diretor para a reconstrução da cidade. Embora a comissão de dezessete membros fosse equilibrada em termos raciais e incluísse o presidente da Câmara Municipal, Oliver Thomas, e o músico de jazz Wynton Marsalis (que se telecomunicou a partir de Manhattan), a verdadeira influência era dos membros do comitê, especialmente de Canizaro (planejamento urbano), Cowen (educação) e Howard (finanças), que tinham almoços privados com o prefeito antes das reuniões semanais do grupo. Esse local sagrado foi considerado necessário, porque os encontros com todos os membros não forneciam as condições para uma discussão franca a respeito de "temas pesados sobre raça e classe"[34].


O BNOB poderia ter implodido rapidamente, não fosse uma astuta manobra lateral de Canizaro, que persuadiu Nagin a convidar o ULI para trabalhar com a comissão. Anos antes, Canizaro se valeu do ULI para ajudá-lo a convencer os moradores de St. Thomas a usar os recursos do HOPEVI, o que resultou, afinal, no River Garden de Kabacoff e no deslocamento da maioria dos moradores. Ainda que o ULI seja a voz nacional dos interesses próprios das construtoras, Nagin e Canizaro deram as boas-vindas à delegação de construtores, arquitetos e ex-prefeitos como uma heróica cavalaria de especialistas que vinha em socorro da cidade. Em suma, as recomendações do ULI transformaram o histórico desejo da elite de reduzir o perfil socioeconômico da pobreza negra (e do poder político negro) da cidade em uma cruzada para reduzir seu perfil físico a contornos condizentes com a segurança pública e com uma infra-estrutura urbana viável em termos fiscais.


Partindo dessas premissas suspeitas, os “peritos” externos (incluídos aqui representantes de algumas das maiores empresas de construção civil e escritórios de arquitetura do país) propuseram uma triagem inédita em uma cidade norte-americana: os bairros das áreas mais baixas seriam alvo de uma desapropriação maciça e de uma futura conversão em área verde, para proteger Nova Orleans contra as inundações. Como disse um construtor visitante ao BNOB: “Essas moradias agora são recurso público. Não se pode mais pensar nelas como propriedade privada"[35]


Agudamente ciente da inevitável resistência popular, o ULI também propôs a criação de uma Companhia de Reconstrução de Crescent City*, que, armada de autoridade suprema, prescindiria da Câmara Municipal e de uma junta de supervisão com poder sobre as finanças da cidade. Com o controle das escolas de Nova Orleans usurpado pelo Estado, a ditadura de peritos e de indicados pela elite proposta pelo ULI derrubaria efetivamente a democracia representativa e anularia o direito dos moradores de decidir as próprias vidas. Especialmente para os veteranos do movimento de direitos civis da década de 1960, isso cheirava a revogação pura e simples de direitos, uma volta ao paternalismo dos tempos das plantations.


A Câmara Municipal, apoiada por um número surpreendente de representantes e proprietários brancos de imóveis, rejeitou enfaticamente o plano do ULI. O prefeito Nagin - um verdadeiro gato em teto de zinco quente - pulou de um lado para o outro do campo, desaprovando o abandono de áreas e, ao mesmo tempo, alertando para o fato de que a cidade não poderia atender a todos os bairros. No entanto, as autoridades nacionais e estaduais, incluindo o secretário de Desenvolvimento Urbano, Alphonso Jackson, aplaudiram o esquema do ULI, do mesmo modo que o editorial do Times-Picayune e o influente Gabinete de Pesquisa Governamental. Houve apoio adicional de políticos de fora, como James Glassman, do Instituto Norte-Americano de Empreendimento ("Essas áreas deveriam voltar a ser pântanos"), Ron Utt, da Heritage (“Deveríamos pensar em uma Nova Orleans que se reduza novamente ao seu núcleo original e que seja mais viável?") e Nicole Gelinas, do Instituto Manhattan ("Eu proporia que toda a estrutura da junta escolar eleita seja dissolvida [...]") [36]. Nova Orleans foi tratada como um Estado falido, um Haiti doméstico.


Diante da formidável coalizão de plutocratas, editores de jornais, políticas bitoladas e até mesmo ambientalistas a favor da redução de Nova Orleans, e com suas bases espalhadas em exílio ao longo das fileiras sulistas, os adversários do ULI (inclusive igrejas, sindicatos e grupos ativistas locais, como Acorn*) encontraram uma enorme dificuldade para fazer com que suas vozes fossem ouvidas. O Times-Picayune, assim como os principais jornais nacionais, pregou incansavelmente que Nova Orleans teria de escolher entre a anarquia promovida por sua irresponsável Câmara eleita, e a sabedoria de Canizaro e dos anciãos do ULI. Ainda em dezembro, enquanto os comitês terminavam seus relatórios, havia um nervosismo considerável entre os instigadores originais, porque o BNOB poderia ter de se curvar à opinião pública e diminuir o ímpeto.


Logo antes do Natal, o Gabinete de Pesquisa Governamental publicou um artigo ("Wanted - A Realistic Development Strategy" [Procura-se – uma estratégia realista de desenvolvimento]) que alertava para o fato de que a cidade enfrentaria novos desastres se permitisse que a política, e não as “realidades físicas e demográficas”, determinasse “exatamente quais partes da cidade podem ser reconstruídas e quando".


A menos que o plano da cidade aborde as incongruências entre perfil e população dirigindo inicialmente o desenvolvimento para áreas mais compactas, o resultado será um avanço aleatório e disperso em um mar de ruínas.[37]


As recomendações do BNOB, apresentadas em janeiro por Canizaro, seguiram fielmente o esquema geral do ULI: incluíram a indicação de uma companhia para a retomada do desenvolvimento sem o controle da Câmara Municipal, que agiria como um banco imobiliário, adquirindo com recursos federais casas e bairros muito danificados, e exerceria a autoridade suprema necessária para converter as áreas baixas em áreas verdes ("bairros negros que estão virando parques brancos", segundo se comentou) ou para construir prédios comerciais e bairros residenciais de renda mista, como River Garden [38]. Outros comitês recomendaram uma diminuição radical do poder do governo eleito – por exemplo, eliminando o direito da Câmara Municipal de passar por cima das decisões tomadas pela Comissão de Planejamento, reunindo sete gabinetes de assessores eleitos em um único gabinete indicado e transferindo o controle financeiro para uma junta de supervisão controlada por banqueiros, como a MAC de Felix Rohatyn, que governou Nova York durante a década de 1970.


Quanto à importante questão sobre quais bairros poderiam ser reconstruídos e quais seriam arrasados, o BNOB defendeu o conceito de aquisição forçada, mas errou no decorrer do processo. Em vez do mapa impiedoso que o Gabinete de Pesquisa Governamental desejava, Canizaro e seus colegas propuseram uma moratória imobiliária ao estilo de Rube Goldberg, com reuniões de planejamento dos bairros que ajudariam a coletar as intenções dos proprietários dos imóveis. Apenas esses bairros, para os quais pelo menos metade dos que moravam ali antes do Katrina se comprometeu a voltar, seriam considerados sérios candidatos a receber Community Development Block Grants (CDBGs) [Empréstimos Consolidados para Desenvolvimento Comunitário] e outros auxílios financeiros.


Canizaro apresentou o relatório a Nagin em uma audiência pública, em 11 de janeiro. "Gosto do plano”, disse o prefeito, e agradeceu aos membros da comissão por "um trabalho bem-feito". O Times-Picayune, como era de se esperar, teceu homilias (em editoriais publicados nas edições de 27 de dezembro e 15 de janeiro) sobre o fato de que “a morte dos bairros é uma idéia desconfortável para muitos, mas pode ser inevitável diante das conseqüências do Katrina". Contudo, "'isso não quer necessariamente dizer”, acrescentaram os editores, “que Nova Orleans se tornará uma versão menor de si mesma. A cidade pode ser reerguida com o mesmo charme".


Muitos habitantes, porém, acharam o relatório de Canizaro pouco charmoso. "Vou sentar à minha porta com uma espingarda”, avisou um morador em uma reunião que lotou as salas da Câmara, em 14 de janeiro, enquanto outro perguntou: “Nós vamos deixar que construtores, gatunos e grileiros tomem nossas terras, nossas casas, para fazer delas e de nossas vidas uma versão da Disney World?”. Como era de se esperar, Nagin entrou em pânico e acabou desaprovando a moratória imobiliária. Logo depois, a Casa Branca bombardeou o plano de Baker e deixou o BNOB apenas com a verba de controle estadual dos CDBGs para financiar sua visão ambiciosa de Nova Orleans: uma dúzia de River Gardens interligados por trens de alta velocidade.


Contudo, Canizaro não parece nem um pouco preocupado. Ele reafirmou aos seus parceiros que o plano ULI-BNOB pode seguir adiante apenas com os CDBGs, se necessário. Não obstante, ele sabe que, independentemente do clima político local, existem poderosas forças externas - seguros que não dão cobertura, novos mapas de enchente da Fema, financeiras que se recusam a renegociar hipotecas. Além disso, como sabe qualquer um que seja versado na realpolitik da Louisiana moderna, nada está realmente decidido em Nova Orleans até que alguns dos bons e velhos meninos (e meninas) de Baton Rouge digam a palavra final.


Ponte da Rodovia Interestadual 99 sobre a baía St. Louis



MUDANÇA DE PODER

Estamos preocupados que esteja ocorrendo tanto

uma tomada de terras como uma tomada de poder.

National Association for the Advancement of Colored People" (NAACP)[39]


Mesmo antes de o último corpo inchado ser retirado das águas fétidas, analistas políticos conservadores já escreviam obituários exultantes sobre o poder democrata negro em Louisiana. “A margem de vitória dos democratas", disse Ronald Utt, da Fundação Heritage, “[está) no Astrodome de Houston.” Outros apontaram entusiasmados para o novo cálculo: subtraia o Ninth Ward de Nova Orleans e a senadora Mary Landrieu e inúmeros outros democratas, grandes e pequenos, estarão provavelmente desempregados[40]. Graças às barragens defeituosas do Corpo de Engenharia do Exército, os republicanos esperam ganhar mais uma cadeira no Senado, duas no Congresso e provavelmente o governo estadual. Os democratas também considerariam impossível repetir o feito de Clinton em 1992, quando ele levou a Louisiana por quase a exata margem de vitória em Nova Orleans. Com um especialista eleitoral impiedoso como Karl Rove na Casa Branca, é inconcebível que essas considerações não tenham influenciado a descarada resposta de Bush ao desastre.


Houve celebrações maquiavélicas também em Baton Rouge. Como disse entusiasmado a um repórter da Califórnia o deputado Charlie DeWitt, um democrata conservador da região rural de Lecompte: "Esse estado mudou politicamente. Acredito que será provavelmente um dos estados mais conservadores do sul”. Um analista político de Shreveport acrescentou: “Até as pessoas boas estão se acomodando, não estão dando apoio à reconstrução de Nova Orleans. O que se está vendo é um bando de pessoas sorrindo maliciosamente, dando piscadelas, balançando a cabeça [...]"[41].


Pode-se presumir que muitos dos "sorrisos maliciosos" e das “piscadelas” estejam ocorrendo logo ali, do outro lado dos limites paroquiais. Nova Orleans sempre rivalizou com Detroit no que se refere à violenta antipatia dos subúrbios brancos isolados pela parte central negra da cidade; então, não surpreende que os representantes da paróquia de Jefferson (que em 1989 elegeu o líder da Klan, David Duke, para a legislatura estadual) e a paróquia de St. Tammany tenham saboreado particularmente as mudanças na população metropolitana e no poder eleitoral que ocorreram após o Katrina. Ambos os municípios estão em meio a uma explosão habitacional que pode consolidar o esvaziamento e o declínio de Nova Orleans. Em dezembro, por exemplo, a gigante KB Homes da Califórnia anunciou uma parceria com o Grupo Shaw para iniciar a primeira etapa da construção de 20 mil casas na margem oeste da paróquia de Jefferson - uma jogada claramente planejada para garantir a reconstrução de bairros abastados de Nova Orleans do outro lado do rio. Do mesmo modo, na margem oposta do lago Pontchartrain, em St. Tammany, onde se prevê que a população aumente 30% nos próximos anos, há um “frenesi alimentar” em cima do “mercado [imobiliário] do desespero"[42]. A superlotada Baton Rouge, por sua vez, se apressa em construir novos bairros, apartamentos e escritórios para acomodar dezenas de milhares de expatriados na jusante.


De sua parte, a governadora Blanco, uma democrata, expressou pouca preocupação com essa reconfiguração fundamental da maior área metropolitana da Louisiana. De fato, suas respostas imediatas ao Katrina, como as de Bush, consistiram em ajudar a arquitetar a ocupação estadual das escolas de Nova Orleans e a cortar 500 milhões de dólares das despesas estaduais, enquanto dava isenções fiscais (em nome da recuperação econômica) às companhias de petróleo já encharcadas de lucros. O cáucus negro legislativo sentiu-se ultrajado com a "completa falta de visão e de liderança" de Blanco e foi aos tribunais desafiar seu direito de fazer cortes sem consultar os legisladores. Mas Blanco, apoiada por ruralistas conservadores e lobistas de empresas, foi intransigente e claramente hostil com os democratas negros cujo apoio ela havia antes cortejado. O deputado Cedric Richmond, democrata de Nova Orleans e presidente do cáucus negro, interpretou o confronto como uma prova do realinhamento político pós-Katrina. “Até parece que a administração está se movendo para a direita." Ele prometeu, entretanto, que o cáucus “continuaria a falar pelas pessoas cuja voz é ignorada, e essas pessoas são os pobres – não apenas os afro-americanos, mas os pobres de todo o estado”[43]


Mas os pobres não têm voz no interior da Louisiana Recovery Authority (LRA) [Autoridade de Recuperação da Louisiana), cuja corriola barulhenta de reitores de universidades e figurões indicados por Blanco é ainda menos afeita aos eleitores negros de Nova Orleans e seus representantes do que a krewe de Canizaro. O conselho da LRA, composto por 29 pessoas e dominado por representantes dos grandes negócios, conta com apenas um sindicalista e não tem um único representante das bases negras. Além disso, em contraste com a comissão de Nagin, a LRA tem o poder de decidir, e não apenas o de aconselhar: ela controla a alocação de fundos da Fema dos CDBGs que o Congresso pôs à disposição para a reconstrução.


De acordo com entrevistas do Times-Picayune, membros de destaque da LRA acreditam que a simples falta de incentivos econômicos fará a cidade encolher até os contornos propostos pelo Instituto da Terra Urbana[44]. Sendo assim, a LRA recusou-se a desembolsar um centavo sequer de seus fundos de prevenção de riscos para áreas consideradas inseguras e, presume-se, será igualmente rígida com relação à alocação de gastos dos CDBGs. Em uma sessão especial da legislatura, a governadora Blanco enfatizou que o estado, e não o governo local ou os comitês de planejamento de bairros, controlará o destino dos empréstimos e dos auxílios. Blanco anunciou que deseja dispor dos 4,4 bilhões de dólares dos CDBGS para ajudar os proprietários de imóveis em todo o estado, com 1 bilhão adicional para acesso à moradia: de longe, muito pouco para reconstruir Nova Orleans, e menos ainda para curar as feridas de uma dúzia de outras paróquias devastadas. Na ausência de mais auxílio federal, a ameaça de uma triagem controlada por deputados rurais e suburbanos paira agourenta sobre a cidade. Como disse a The New York Times, em 8 de janeiro, o publicitário Sean Reilly, um indicado da LRA para Baton Rouge: “Alguém tem de ser duro, manter sua posição e dizer a verdade. Nem todos os bairros de Nova Orleans poderão ser salvos".


Mas as elites talvez tenham ignorado o fator Fats Domino.




"NÃO À TERRAPLANAGEM!”

A luta por Nova Orleans tornou-se uma guerra de guerrilha,

travada de quarteirão em quarteirão, de casa em casa.

Wade Rathke, organizador da Acorn[45]


Como centenas de outras residências atingidas pela inundação, mas estruturalmente mais sólida, a casa de Fats Domino ostenta uma faixa desafiadora: “Salvem nosso bairro: Não à terraplenagem!". O ícone do R&B, que sempre esteve próximo de suas raízes, no bairro operário de Holy Cross, sabe que os ribeirinhos e o resto de Lower Ninth Ward são os primeiros alvos dos "redutores urbanos”. De fato, no dia de Natal, o Times-Picayune - que declarou que “antes de uma comunidade poder se reerguer, ela precisa sonhar" - publicou uma visão do que poderia ser uma Nova Orleans "menor e melhor": "Turistas e crianças em idade escolar visitam um museu vivo, que inclui o antigo lar de Fats Domino e a escola secundária de High Cross, um memorial de várias quadras que se espraia pelo bairro devastado”[46].


"Museu vivo" (ou "museu do holocausto", como observou amargamente um amigo negro) soa como uma piada de mau gosto, mas é a perspectiva elitista daquilo que a Nova Orleans afro-americana deveria se tornar. No admirável mundo do novo urbanismo de Canizaro e Kabacoff, os negros (ao lado de outro grupo colorido minoritário, os cajuns) reinarão apenas como figuras de entretenimento e caricaturas deles mesmos. A potente energia que antes movia botecos, projetos habitacionais e blocos carnavalescos secundários será embalsamada com toda a segurança para turistas de um evento já proposto, chamado Louisiana Music Experience, que será realizado no distrito central de negócios.


Porém, antes de mais nada, essa versão do futuro assemelhada a um espetáculo de menestréis precisa derrotar uma notável história local de organização de bases. O segredo mais bem guardado da Crescent City - ao menos na grande mídia - é o ressurgimento da organização sindical e comunitária desde meados da década de 1990. De fato, Nova Orleans, a única cidade sulista em que o trabalhismo sempre foi poderoso o bastante para convocar uma greve geral[47], tornou-se um importante caldeirão de novos movimentos sociais. Tornou-se, em particular, a base local da AOCRJ, uma organização nacional de proprietários e inquilinos da classe trabalhadora que conta com a participação de mais de 9 mil famílias de Nova Orleans, a maior parte delas dos bairros ameaçados pela triagem. A adesão à AOCRJ é o motor por trás da tumultuada luta pela sindicalização dos hotéis do centro, que se arrasta há uma década, e do bem-sucedido referendo de 2002 pelo primeiro salário mínimo municipal do país (posteriormente vetado por uma Suprema Corte estadual de direita). Desde o Katrina, a Acorn emergiu como o principal oponente do plano ULI-BNOB para reduzir a cidade. Seus membros estão novamente lutando contra muitas das figuras da elite que foram seus adversários na questão da sindicalização dos hotéis e de um salário digno.


O fundador da Acorn, Wade Rathke, zomba das projeções da Corporação RAND, que indicam que a maioria dos negros abandonará a cidade. “Não acredite nesses números falsos", disse-me enquanto saboreávamos pastéis doces no Café du Monde, em janeiro.


Fizemos um levantamento dos membros da Acorn que se deslocaram para Houston e Atlanta. Todos esmagadoramente querem voltar, mas entendem que essa é uma guerra dura, já que temos de combater em duas frentes ao mesmo tempo: para reformar as casas e para trazer os empregos de volta. É também uma corrida contra o tempo. O desafio é: você faz, você leva. Então, nossos membros estão votando com base nas circunstâncias de acordo.


Sem esperar por CDBGs, mapas de controle de enchentes da FEMA ou permissão de Canizaro, os voluntários da Acorn estão trabalhando dia e noite em todo o país para reformar as casas de mil famílias em algumas das áreas mais atingidas. A estratégia é colocar os “redutores urbanos" diante do fato incontestável de que há bairros reocupados e viáveis no centro.


A Acorn aliou-se à AFL-CIO e à NAACP para defender os direitos dos trabalhadores e pressionar pela contratação de moradores nos esforços de recuperação. Rathke ressalta que o Katrina se tornou pretexto para o ataque mais insidioso, apoiado pelo governo, contra os sindicatos desde que o presidente Reagan demitiu os controladores de tráfego aéreo que fizeram greve em 1981. "Primeiro, a suspensão da Davis-Bacon (a lei salarial federal prevalente), em seguida a apropriação das escolas por parte do Estado e o fim do sindicato dos professores, e agora isso." Ele aponta para um caminhão de lixo verde e malconservado que se arrasta pela praça Jackson. “A coleta de lixo no bairro francês costumava ser um encargo público sindicalizado, de membros da SEIU. Agora a FEMA contratou o serviço de uma companhia pelega de fora do estado. É isso que significa 'trazer Nova Orleans de volta'?"


A Acorn também foi à justiça para garantir que a população deslocada e predominantemente negra de Nova Orleans tivesse acesso a locais de votação fora do estado, em especial em Atlanta e em Houston, para as eleições municipais marcadas para 22 de abril. Quando um juiz federal rejeitou o pedido, o organizador da Acorn, Stephen Bradberry, disse que é “óbvio que há um plano orquestrado para tornar essa cidade mais branca”. A NAACP concorda, mas o Departamento de Justiça negou o pedido de obstrução de uma eleição que provavelmente transferirá o poder para a maioria branca artificialmente criada pelo Katrina.


Enquanto a Acorn tenta trazer seus membros de volta para casa, uma coalizão de grupos menores, que inclui o Fundo Popular de Auxílio contra Furacões (cuja genealogia remonta ao SNCC* e a sessão de Nova Orleans do Partido dos Panteras Negras), o coletivo de voluntários Common Ground e o Partido Verde de Nova Orleans, além de estudantes de direito progressistas e ativistas de todo o país, tem lutado contra as demolições propostas no Lower Ninth Ward. Depois do Natal, o município tentou furtivamente pôr abaixo mais de cem casas por constituírem risco à segurança pública", sem fazer nenhum esforço para localizar ou notificar seus proprietários. Ativistas locais e voluntários correram para se colocar no caminho, ganhando tempo para que Bill Quigley, um advogado veterano dos direitos civis, abrisse um processo contra o município pela violação gritante do procedimento padrão que deve ser seguido em situações como essa. Como ambos os lados estavam bem cientes, essa seria apenas a primeira batalha do conflito vindouro contra a demolição em massa e a triagem dos bairros.


Teria sido inspirador ver, nessa última batalha de Nova Orleans, as dores do parto de um novo ou renovado movimento dos direitos civis. Contudo, o ferrenho ativismo local ainda tem de encontrar eco numa solidariedade significativa do movimento trabalhista, os assim chamados democratas progressistas, ou mesmo do cáucus negro no Congresso. Promessas solenes, comunicados à imprensa e delegações ocasionais, sim; mas não o inabalável ultraje nacional nem o senso de urgência que deveriam ter comparecido à tentativa de assassinato de Nova Orleans no 40º aniversário do Projeto de Direitos Eleitorais. Em 1874, segundo destacou o historiador Ted Tunnell, o fracasso dos radicais do norte quando lançaram uma retaliação combativa e armada contra a insurreição branca ajudou a condenar a primeira Reconstrução [48]. Será que agora a nossa frágil resposta ao furacão Katrina guiará o retrocesso da segunda?


fevereiro de 2006, versão resumida publicada em abril – The Nation


As luzes ainda estão apagadas na maior parte de Gentilly. Até o dia de Ano Novo de 2007, menos de cem proprietários de imóveis de Nova Orleans receberam empréstimos federais para a reconstrução. Os exames periciais de engenharia, juntamente com as audiências publicadas pelos comitês bipartidários da Câmara e do Senado, confirmaram a responsabilidade do Corpo de Engenharia do Exército pelos rompimentos nas barragens, assim como esclareceram o público a respeito do catastrófico fracasso do Departamento de Segurança Interna em cada aspecto de sua resposta. (Já que o governo federal é amplamente imune a ações legais, qualquer tipo de restituição aguarda audiências extras, que devem ser realizadas pela nova maioria democrata no Congresso.) Entrementes, mais da metade da população da cidade em 2001 permanece exilada (muitos atualmente despejados também das moradias de emergência em outras cidades) e, dos que retornaram, uma pesquisa recente indica que um terço planeja partir o mais rápido possível. O plano do BNOB foi engavetado após uma furiosa oposição da comunidade e substituído por um processo local de planejamento feito de remendos e sem garantia de apoio federal ou estadual. Centenas de arquitetos, planejadores e peritos externos de todo tipo "revislumbraram” Nova Orleans em inúmeros esquemas e planos, mas o progresso em campo vem sendo traído pela lentidão criminosa da reação governamental. O contraste com o boom de reconstruções no Mississippi (ou, nesse caso, nas paróquias suburbanas de Jefferson e St. Tammany) apenas reforça a percepção de que Nova Orleans - uma cidadela de poder eleitoral afro-americano - foi deliberadamente assassinada.


PUBLICADO ORIGINALMENTE NO LIVRO APOLOGIA DOS BÁRBAROS - ENSAIOS CONTRA O IMPÉRIO

TRADUÇÃO FRANCISCO RAUL CORNEJO


PREFÁCIO Andy Battle, especial para a IK -- série "Katrina".

TRADUÇÃO DO PREFÁCIO Bruno Xavier

 

NOTAS

1 John Schwartz, "Malfeasance Might Have Hurt Levees, Engineers Say”, The New York Time, 3/11/2005.

2 "The Loss of New Orleans Wasn't Just a Tragedy. It Was a Plan", National Journal, 17/9/2005.

3 Peter Nicholson, "Hurricane Katrina: Why Did the Levees Fail?", testemunho em nome da Sociedade Norte-Americana de Engenheiros Civis, Senado dos Estados Unidos, Comitê de Segurança Interna e Assuntos Governamentais, 2 de novembro de 2005.

4 Bob Marshall, “Corps never pursued design doubts", Times-Picayune, 30/12/2005.

5 Michael Gunwald e Susan Glasser, "The Slow Drowning of New Orleans”, The Washington Post, 9/10/2005.

6 Citado em Spencer Hsu, "Post-Katrina Promises Unfulfilled”, The Washigton Post, 28/1/2006.

7 Em 1991, um taxista negro de Los Angeles foi vítima de violência policial, filmada por um

cinegrafista amador. A absolvição dos oficiais levou a ondas de levantes na cidade. (N. T.)

8 Burt Solomon, “Bush and Clinton's Urban Fervor", National Journal, 16/5/1992.

9 Mary Curtius, “Image Problem is Costing Louisiana", The Los Angeles Times, 3/12/2005.

10 Leslie Eaton e Ron Nixon, "Federal Loans to Homeowners Along Gulf Lag", The New York Times, 15/12/2005.

11 Christine Hauser,"Its Work Force Scattered, New Orleans Wrestles with Job Crisis". The New York Times, 26/10/2005.

12 John Maginnis, “Small Business Waiting for Relief", Times-Picayune, 4/1/2006.

13 Gordon Russell e James Varney, “Blue Tarps", Times-Picayune, 29/12/2005.

14 The New York Times (editorial), “Death of an American City”, 11/12/2005.

15 Mark Fischetti, "Drowning New Orleans", Scientific American, out. 2001.

16 The New York Times (editorial), “Death of an American City", cit.

17 Spencer Hsu, "$29 Billion Approved for Gulf Coast Storm Relief", The Washington Post, 23/12/2005.

18 Christopher Cooper, "Old-Line Families Escape Worst of Flood and Plot the Future", The Wall Street Journal, 08/09/2005.

19 Christopher Drew e Jim Dwyer, "Fear Exceeded Crime's Reality in New Orleans", The New York Times, 29/09/2005.

20 David Boaz, "Did Big Government Return with Katrina?". Cato Policy Report, nov-dez. 2005.

21 David Brooks, "Katrina's Silver Lining". The New York Times, 8/7/2005; Joel Kotkin, "Ideological Hurricane", American Enterprise Magazine, jan.-fev. 2006.

22 James Gill, Lords of Misnule (Jackson, University Press of Mississippi, 1997).

* Nome dado aos grupos que organizam marchas de carnaval em Nova Orleans. (N.T.)

23 John Barry, Rising Tide (Nova York, Touchstone, 1997). O capítulo 17, "The Club”, é uma leitura essencial, um extraordinário retrato da elite histórica de Nova Orleans.

24 James Gill, Lords of Misrule, cit.

25 Citado em Associated Press, "Harsh urban renewal in New Orleans", 12/10/2005.

26 Brian Thevenot, “Returning New Orleanians ponder city's future", Times-Picayune, 1/10/2005.

27 Sitado em Christopher Tidmore, "Groundbreaking begins at St. Thomas site", Louisiana Weekly, 24/11/2003.

28 Matthias Gebauer, Der Spiegel (entrevista com Finis Shellnut).

29 Douglas McCash, “New Urbanism dominates rebuilding chatter", Times-Picayune, 14/11/2005.

*Homeownership and Opportunity for People Everywhere [Moradia e Oportunidade para Todos), programa assistencial do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Consiste em um programa trienal, instituído em 1990, que destina verbas para o financiamento de projetos habitacionais populares, algo similar a um “programa da casa própria". (N.T.)

30 Susan Popkin et al., “The HOPE VI Program: What about the residents?", Housing Policy Debate, v. 15, n. 2, 2004.

31 Citado em Mike Luke, "St. Thomas Redevelopment", Where Y'At.

32 Gwen Filosa, "Former mayor rejects idea of a New Orleans reduced in size", Times-Picayune, 08/01/2006.

33 Christopher Cooper, "Old-Line Families Escape Worst of Flood and Plot the Future", The Wall Street Journal, 8/9/2005.

34 Gary Rivlin, "Divisions Appear Within a Storm Recovery Commission", The New York Times, 30/10/2005.

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